03 julho 2012

O Ano Em Que a Poesia Perdeu

1. Aqueles minutos finais que decidiram a Premier League deste ano foram aparentemente lindos. Eu próprio vibrei com aquela indecisão até ao fim. De um lado estava um Manchester United com escola, com tradição, com o mesmo treinador há 127 anos seguidos. Do outro um Manchester City que já não se lembrava da última vez que havia ganho o campeonato. E eu, que habitualmente torço pelos mais "fracos", dei por mim a não querer que o City ganhasse como acabou por acontecer. Essa vitória foi mais uma prova de que o futebol não é mais aquilo que foi. Não é mais aquele desporto pelo qual me apaixonei ainda criança. Agora chegam uns senhores árabes, escolhem um clube do meio da tabela e compram-no com os trocos que trazem nos bolsos (as túnicas têm bolsos?!?). E as coisas mudam: os xeiques mais os seus cheques, transformam clubes medianos em vencedores. O dinheiro finta a técnica, a táctica, a história, a mística, a formação, tudo.

2. Há uns anos atrás, um novo-novo-rico russo comprou um clube que mal se conhecia em Londres, quanto mais no resto do mundo. Foi fotografado com a mulher glamorosa no iate gigante e inventou uma nova personagem para o mundo do futebol: o Presidente-vedeta. Comprou Mourinhos, Drogbas, Scolaris, camiões e camiões de nomes sonantes para todas as posições de campo e de banco. Até que, muitas rescisões milionárias depois, finalmente venceu a Champions League. A vitória do Chelsea na Liga dos Campeões é mais do mesmo mas acrescentada persistência. Com dinheiro e paciência suficientes, qualquer um acaba por chegar lá.

3. No Europeu deste ano não davam grande coisa por nós. Tínhamos uma Selecção composta por nomes menores mais um maior que qualquer outro. De repente - e quanto a mim por isso mesmo! - assistimos à Selecção a jogar como equipa, mais em bloco que em 2004, ao mesmo tempo que tínhamos finalmente nos bastidores pessoas que cheiraram a relva (João Vieira Pinto, Humberto Coelho) e não apenas burocratas pançudos. A chegada da nossa Selecção à meia-final do Europeu deu-me alguma esperança de que nem tudo fosse mau neste ano aziago. Estávamos a um passo de uma final onde não eramos desejados (Platini dixit) mas... nem isso aconteceu. Batemo-nos como uns valente contra os vizinhos Campeões. Connosco não fizeram farinha nem se ouviram "olés" das bancadas. Até rebentarmos no prolongamento. Depois, nos penalties, a nossa bola bateu na barra e saiu e a deles bateu no poste e entrou. E isto fez toda a diferença. Acontece, é um jogo.

4. A Selecção Italiana, pela mão do Senhor Prandelli, conseguiu aquilo de que não fomos capazes e furou os planos ao Platini. Mais ainda do que no nosso caso, deles ninguém esperava nada. Longe de outros tempos de glória, rebentou-lhes em pleno estágio uma (outra) bomba burocrática. Uma vez mais a Justiça Italiana mostrava ao mundo que não está pelos ajustes. Vai tudo à frente. Onde e quando for preciso. Se fosse cá, primeiro duvido que o caso chegasse tão longe - uma escuta qualquer, por mais óbvia que fosse, haveria de ter sido feita ilegalmente... - e mesmo que tão longe se chegasse, abafava-se tudo bem abafadinho porque "ó Antunes, então agora vem aí o Europeu e um gajo vai mandar uma notícia destas pós jornais? Deixai isso na gaveta mais um mesito ou dois" e a coisa acabava por ficar por ali esquecida, ou desaparecia por completo. Em Itália não quiseram saber disso e o Seleccionador chegou a colocar à disposição o lugar da equipa no Europeu (cedendo-o à melhor selecção não classificada como já aconteceu noutros tempos) caso a Justiça Italiana achasse melhor assim. Não sendo necessário, o que fizeram eles? Chegaram à final. Foram a minha última esperança até ao apito inicial. Mas também aqui a poesia perdeu.

O futebol nada tem a ver com a poesia dir-me-ão alguns. Para mim tem. Sempre teve. Maradona, Hugo Sanchez, Del Piero, Chalana, Rui Costa, Gamarra, Pirlo, Messi, Futre, Aimar, Van Basten, todos me parecem mais próximos de Neruda que de Armstrong.

Contra todas as evidências, de cada vez que vejo um jogo, é isto aquilo que continuo a procurar no futebol: poesia sobre a relva.

9 comentários:

Diogo Claro disse...

Não faças chorar, fodace.

JMP disse...

Falta aí um nome essencial

Pablo Aimar, um autêntico poeta

POC disse...

@MÉDIOCRIATIVO, fantástico. Subscrevo. Venham mais desses...

Pedro disse...

Eu torci pelo City pq, basicamente, não gosto do United. E David Silva merece ser campeão!!!

Compreendo o que escreves sobre os milionários que compram clubes de futebol como se estivessem a brincar ao FM mas o Abramovich é ligeiramente diferente. O gajo gosta mesmo de futebol e quer o melhor para o Chelsea. É mais do que um mero capricho de menino rico, é vontade de vencer, de transformar um clube num grande clube. Não estou a defender pq acho que a entrada destes malucos destruiu por completo a noção de mercado que deveria existir. Ordenados e transferências obscenas.

Pé do André disse...

Caro Médio,

Obrigado pelo teu texto. Quando a final do euro terminou apeteceu-me ir a esse placard da junta de freguesia que é a "wall do facebook" escrever:

O futebol morreu.

Mas talvez o teu título faça mais sentido com o que sentia e queria expressar.

Contudo deixo uma comparação (que serve de esperança, pelo menos para mim).

Quando olhas para trás e pensas na equipa do AC Milan que ganhou tudo do final dos anos 80, inicio dos 90 lembraste que aquela ascensão se deveu a um "xeique" chamado Berlusconi se tornar presidente do clube e ir buscar todas as estrelas que era possivel na altura?

CAP CRÉUS disse...

Quase que chorava...
Mas está bpnito, sim senhor.

MédioCriativo disse...

JMP,
Obrigado pela sugestão. Tens toda a razão, já acrescentei o Aimar.

Pé do André,
Bem visto. À sua maneira, também ele foi um sultão. Pelo menos teve o seu harém...
Obrigado ainda por me teres feito lembrar do Van Basten (que também já acrescentei). Abraço!

B. disse...

Houve poesia na final da Taça de Portugal!

Señor B disse...

eheheheheh